25 November 2006

Salto no Escuro Artigo de Novembro de 2005

Salto no Escuro

"Um país pode por abaixo suas florestas, erodir seu solo, levar sua
fauna silvestre à extinção. Mas os índices de sua performance
econômica não serão afetados se esses bens desaparecerem.
O empobrecimento será tomado por progresso".
Robert Reppeto
"Accouting for envirommental assets", Revista Scientific American – Junho 1992

São inúmeros os exemplos de como a sociedade futura irá ter mais respeito pelo que é "bem público". Será o tempo em que o indivíduo urbano e rural terá respeitado, pelos governos, os direitos que estão constituídos nas Cartas Magnas, oficiadas para o "bem" do "público" de um país, de um estado ou de um simples município.


Atravessando o oceano que nos separa do Velho continente europeu, em 2002 os franceses modificaram sua constituição para nela introduzir o conceito de "proteção ambiental". Durante meses as discussões e as deliberações foram intensas. A proposta capitaneada pelo governo foi aprovada sem grandes modificações e a noção de direito a um ambiente saudável entrou já no preâmbulo da Carta, logo depois das referências à Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789, e aos Direitos Econômicos e Sociais, do texto de 1946.

Pela proposta, afirma-se o direito a um ambiente - "patrimônio comum de seres humanos" - equilibrado, saudável e protegido. Mais do que isso, o texto sugerido torna a proteção ambiental "norma que se impõe a todos, poderes públicos, jurisdições e sujeitos de direitos". O projeto também consagra o chamado Princípio da Precaução, isto é, a noção de que, quando houver dúvida, ainda que pequena, sobre os efeitos de uma determinada medida, deve-se optar pela solução que resguarde o meio ambiente.

Saindo do continente europeu e atravessando o oceano atlântico de volta ao Brasil, onde nossa Constituição, no artigo 225 parágrafo 1º inciso 4º promulgou em 1988 (16 anos antes dos franceses) a necessidade de EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente) e rumando para o sul do País, em uma pequena cidade ao sul do Estado (considerado o "nordeste pobre" do RS), o governo de Tapes propôs e teve aprovada a mudança em nossa Carta Magna, para alterar um artigo visando a utilização de área de preservação permanente para a instalação de uma indústria e outras obras.

Os efeitos de tal medida, tanto relacionadas às obras e modificações em meio a orla protegida por Lei Federal, quanto pela alteração de dispositivo de segurança de Lei Orgânica Municipal, promulgada em 1990, para evitar-se a utilização da orla com fins de loteamento e ocupação humana e industrial, expôs precedentes perigosos para o futuro da cidade e de sua biodiversidade, relacionadas com o recurso mineral, a flora, a fauna terrestre e aquática, além do abundante recurso hídrico, invejado por todos os povos nos cinco continentes.

É de se ressaltar que o EIA é um instituto do direito ambiental, o qual tem grande importância não para "influenciar as decisões administrativas sistematicamente a favor das considerações ambientais, em detrimento das vantagens econômicas e sociais suscetíveis de advirem de um projeto" mas sim para dar "às administrações públicas uma base séria de informações, de modo a poder pesar os interesses em jogo quando da tomada de decisão".

Por esse motivo, a precaução quanto às obras e alteração na Lei Orgânica deveria ter sido avaliada pelo Princípio da Precaução, visto que havendo uma análise prévia, por meio do EIA, dos impactos que determinado empreendimento pode causar ao meio ambiente, é possível, por meio da não autorização, ou da adoção de medidas compensatórias e mitigadoras, assegurar a realização da obra sem causar dano ao meio ambiente. Por esta razão que o EIA é visto como instrumento e elemento basilar do Princípio da Prevenção.

O fato mais grave é termos ciência de prioridades prementes, que são esquecidas, como as famílias que residem em cima de esgotos que correm à céu aberto, com crianças e adultos, seus animais domésticos convivendo em uma situação de risco ambiental e de saúde pública, expostos a doenças e seus vetores, além de servirem como motivo para as pretensões mais inclinadas ao aspecto econômico da proposta, não levando em consideração a cultura, a realidade vivenciada por aqueles sujeitos atores, seu meio de vida e o ambiente em que vivem e, principalmente, esquecendo que a natureza e suas características ambientais permanecerão como estão, mesmo com obras sólidas, grandes e monumentais, que no amanhã poderão deixar de existir, bastando a Mãe Gaia revoltar-se contra a pequenez de nossa existência e de nossas atitudes, e cobrar a conta de todos nós.

É como bem disse a ecologista Leatrice Borges Piovesan em seu artigo "O atraso da humanidade" publicado em 2004, "Enquanto nós, seres tidos como humanos, não nos conscientizarmos do fato de que só conseguiremos viver em paz com nossos semelhantes no dia em que aprendermos a respeitar a natureza – porque é no contato com ela que saberemos nos relacionar com o Universo e com Deus - nosso planeta não terá futuro.

E, enquanto essa nova Terra não acontecer, o único caminho para coibir toda a agressão e malvadeza humana é o Ministério Público".

Julio Wandam
Ambientalista

Artigo no site do Partido Verde de Mato Grosso do Sul em Nov-2005

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