25 November 2006

"Verba volant, Scripta manet". Artigo de Outubro de 2006

Verba Volant, Scripta Manet (*)
“O Homem é todas as coisas; se algo lhe falta, ele, na verdade, ignora sua própria riqueza.”
Angelus Silesius (1624-1677)

O poder da indignação, por vezes, se não em todas as vezes em que nos indignamos contra o poder dominante, leva-nos à sofrer revezes que nos desistimulam, nos aborrecem e nos adoecem, e penso, como na teoria de Ma Deva Metta, “O que a boca cala o corpo sente”.1)
E isto é para o Ser que está racional e emocionalmente envolvido com o mundo à sua volta, uma tortura pior do que à mais forçada pena que pode ser imposta à quem pensa; abandonar a busca do Saber e deixar de Falar.
 

Como sabemos, podem nos tirar os pés para não caminharmos e pregarmos a palavra; as mãos para que não escrevamos as palavras, mas jamais irão nos tirar o pensar, a consciência e o saber, à não ser que nos tirem a cabeça do corpo, que inerte, será a prova Viva de que a intolerância é irmã da violência. Platão bem define o momento atual e o pensar que reflito para, com paciência buscar a verdade sobre o que vislumbro, perplexo, espantado: “Se dirigida pela ignorância, a riqueza é um demônio maior do que a pobreza, porque pode colocar as coisas de forma muito mais firme, na direção errada”.2)
 

E o que observo, não é diferente do que muitos outros pensaram a respeito da relação homem-natureza e da servidão ao capital que à vê apenas como lucro, se tiver uma utilidade.
Não é de hoje a reflexão sobre tal tema, tendo sido no Brasil Império, em 1784, uma das observações do Ouvidor da Comarca de Ilhéus, Francisco Nunes da Costa, “Têm sido reduzidas a cinzas matas preciosas, e tão antigas como o mundo, fazendo uma perda qual não há cálculo que se possa computar”.3)
 

Mesmo com tal leitura acurada do momento, havia muito distante do tempo do Ciclo da Madeira (Pau-Brasil), nada foi feito à respeito e nos restam apenas 7% da Mata Atlântica como testemunha e prova da ação ignóbil da busca do lucro por sobre nossas riquezas. Mais adiante, no caminhar da história do Brasil, temos o alerta dado pelo Coronel Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva em 1848, “É tempo pois que ainda os brasileiros saiam dos seus descuidos e atendam à sorte futura de seus filhos. É de sua própria utilidade não só conservar, e pensar suas matas virgens, mas cuidar em plantar novas florestas, que venham ressarcir as que a ignorância destruiu”.4)
 

E os porques desta ação medonha contra o futuro, podem ser elucidadas pela conclusão sábia de Margaret Ferreira, autora de um estudo sobre as Manifestações pela Conservação da Natureza no Brasil (1784 -1889): “Como a força econômica do país estava atrelada à produção agrícola, o Governo Imperial e os próprios políticos da época procuravam não se indispor com os fazendeiros, os quais eram a base de sustentação dos partidos políticos, o Conservador e o Liberal. Portanto, tomar atitudes contra a fúria dendroclasta dos donos de terras, seria uma atitude temerária para quem tivesse pretensões de ascenção política”.5)
Mudou o tempo, com a tática de “não se indispor com os fazendeiros” se mantendo e sendo recorrente em diversos casos, muitos aos nossos olhos, sem que percebamos o comando que os direcionam e nem mesmo eles (os políticos) sabem definir qual rumo tomam, guiando-nos à todos na mais escura jornada por caudais sem fim.
 

Saindo do rio histórico e entrando no mar filosófico, em brilhante obra de Nancy Mangabeira Unger encontramos novamente em Platão o sentido para o Espanto, que é Arché (princípio originário permanente) da filosofia, quando “ele situa o filosofar como recuo diante do que é, interrogação”.6) Onde nos diz Nancy: “o sagrado (verdade) se torna exclusivo de autoridades especiais. Aos que resistem, aos que persistem em ver “outra coisa” se nomeia de louco, de selvagem, de traidor. A ser devidamente internado, colonizado, recuperado (ou, se a rebeldia for persistente, lobotomizado, exterminado, eliminado)”.7)
 

A consciência coletiva essencial do Homem esta embrenhada nos acontecimentos, que foram sendo criados natural ou artificialmente, e que muitos não os consideram pelo mesmo prisma ou os interligam a realidade, conectando-os como causas dos efeitos que vivemos neste limiar de uma crise que deve comprometer o futuro humano. Observem os rios amazônicos, secaram e seria improcedente dizer tal sandice uma década atrás, e hoje se torna real, visto todas as alterações do clima no ano de 2005. Vejam as cataratas do Iguaçu, com todas as quedas d'água, praticamente secas em 2006.

Não observaram que José Lutzemberger 35 anos atrás nos alertou sobre isso, “Se há um pecado grave, esse é frear a Vida em seu desdobramento, eliminar espécies irremediavelmente, arrasar paisagens, matar oceanos” 8) , e isto porque estão todos embebidos e amortecidos pelo desenvolvimento aparente, mas quando a sociedade fecha os espaços para aqueles que questionam este modo de vida, como bem expõe Nancy Mangabeira em O Encantamento do Humano, “onde essa dimensão possa se expressar, reprimida, ela aparece. “Por contrabando”, pervertida. O mito transforma-se na sua caricatura. No lugar do Oráculo, a Voz do Partido. No lugar do Xamã (os possíveis Xamãs estão presos nos hospitais psiquiátricos) um Hitler ou Stalin”.9)
 

Portanto, todos estes à soltas por aí, querendo impedir a discussão e impedindo a mudança de cultura e a busca de uma ideologia, pois, “A ideologia é o mito que não se deixa narrar”.10) Mas é ela unicamente que poderá nos ampliar o caminhar e pensar ao agir, com a idéia, lógica de que precisamos dela para manter e mudar a política, afim de que o povo seja o principal beneficiado e não os partidos e os governos. Para isso, precisamos nos expressar, emitir opinião, falar e não omitirmos nossa atitude. Mas, segundo Nancy, a sociedade dos “homens não querem ou não podem se pôr à escuta do mundo porque nenhum espaço lhes é aberto para isso, porque a voz oracular do Ser se opõe o barulho ensurdecedor da Verdade, da Programação, da Definição Definitiva. A voz do partido, a voz da instituição é a voz que tudo fala e tudo esconde. Que não emite sinais e sim ordens. É a voz da máquina que não indica, mas codifica”.11)
 

Como autômatos, rôbos, andróides, tudo máquina, não nos emocionamos mais com o Homem “morada do extraordinário”12) , porque nos afastamos do outro e o consideramos como competidor e a natureza apenas como objeto de uso, matéria que se coloca preço, lucra para dá-los aos demais. Por este motivo, os alertas dos desastres eminentes são vistos de maneira cética, como se os problemas decorrentes do aquecimento global e a desregulação do efeito estufa fossem de “ordem natural”. Estudo da concentuada Revista Científica “Nature” nos acrescenta algo para pensarmos: (20/07/2006 - 09h58 Cientistas montam força-tarefa para salvar Terra de extinção maciça - da France Presse, em Paris) “assim como o painel científico da ONU sobre mudanças climáticas, o grupo de defesa da biodiversidade iria avaliar as análises mais recentes sobre biodiversidade, emitindo um alerta claro e sonoro às autoridades”:“Virtualmente todos os aspectos da biodiversidade estão em declínio acentuado e um grande número de populações e espécies provavelmente estará extinto ainda neste século” 13) , alerta o documento, sobre o qual se debruçaram especialistas de 13 países.
 

E mais: “Apesar dessa evidência, a biodiversidade ainda é sistematicamente subestimada e recebe um peso inadequado nas decisões públicas e privadas. Há uma necessidade urgente de construir uma ponte sobre a brecha existente entre ciência e políticas de ação” 13) , acrescenta o artigo.
 

Segundo Leonardo Boff, que a grande maioria leiga o conhece como o Teólogo da Libertação ou padre subversivo para os conservadores de plantão, é em verdade um grande eco-filósofo ou filósofo da ecologia radical (deep ecology) 14) ou Ecologia Profunda, onde nos mostra e ensina um novo caminho: “Hoje, em conseqüência deste modo de Ser, roçamos os limites do Apocalipse Nuclear ou de uma Hecatombe Ecológica. Urge fazer uma parada. A estratégia que se atém a uma ecologia técnica (diminuir os níveis de agressão à natureza) ou de uma ecologia política (prestar atenção, nos projetos de desenvolvimento, às questões do meio ambiente) não responde eficazmente à gravidade da crise.”15) O filósofo Arne Naess caracterizou da seguinte forma a Ecologia Profunda: "A essência da ecologia profunda consiste em formular questões mais profundas." 16)
 

E na crise, momento de decisão e descernimento, deve-se resguardar o bem coletivo da humanidade e o Principio da Precaução como base para se superar problemas de ordem futura, como os recursos naturais finitos. Diz mais Boff, este servo de Deus: “esta ecologia radical deixa para trás o antropocentrismo. Elabora as relações a partir da unidade fundamental do todo.

O ser humano vem compreendido em sua inserção, em sua solidariedade e em comunhão com o conjunto de seres.”17) Como na visão simples de Fritjof Capra, como a “Teia da Vida” na qual somos apenas um dos fios da complexa rede na mágica dos elementos essenciais, “Ela questiona todo esse paradigma com base numa perspectiva ecológica: a partir da perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a teia da vida da qual somos parte.”18)
Santo Agostinho ensinava que “conhecemos à medida que amamos”. “Este tipo de conhecimento não invalida o outro, instrumental e analítico. Mas lhe tira seu caráter totalitário.”19)

Desde a revolta da Ciência contra a Ciência no século 19, uma está à serviço do Capital, com todo o poderio financeiro e estrutural disponível para as “experiências” da Bio à Nanotecnologia e que serão jogadas no mercado sem alguma precaução, e do outro lado uma ciência empírista e profunda, de poucos, que mesmo em Universidades, acabam por lhes serem fechadas as portas e escondidas as chaves para que não possuam o Conhecimento, dando-lhes como Saber apenas aquilo que não se considera perigoso contra o “Desenvolvimento in-Sustentável”.

Os cientistas deste segundo grupo alertam a 60 anos que o planeta
sofre as conseqüências do aquecimento global, e uma multidão de cientistas “serviçais” do progresso no primeiro grupo, desconsideram os dados e os estudos, porque a “economia mundial” seria afetada e nosso modo de vida “alterado”.


Francis Bacon é explicito em definir que “Saber é Poder” e assim professa o que se aprende na evolução do Homo sapiens sapiens: “amarrar a Natureza a teu serviço e fazê-la tua escrava.”20)
Mas a vida como um todo, sofre com a escravidão “tecnocrática” deste ultrapassar dos limites éticos em que nossa geração se encontra, e o Filósofo Peter Singer, na sua Teoria da Libertação Animal nos explica o caminhar da humanidade, quando lembra-nos de nossa origem comum: “Se os experimentadores não estiverem preparados para usar um bebê humano, o fatode estarem prontos para usar animais não-humanos revela uma forma injustificável de discriminação com base na espécie”.21)


Recordo o que nos legou Aristóteles, que filosofou com Platão, que havia filosofado com Sócrates e que sorveram o Saber na fonte Pitagórica: “O Homem é, por natureza, um animal político”.22) Façamos então a nossa parte e mudemos o meio o qual vivemos, para então mudar
o rumo que tomamos e quem sabe salvarmos o mundo em que habitamos da Hecatombe ambiental e do Totalitarismo estatal.


Para isso, vale a sentença dada por Pitágoras de Samos, 2.700 mil anos atrás para aqueles que desviam os caminhos e nos iludem com suas falsas palavras: “Cala-te ou dize coisas que valham mais que o silêncio.”23), onde vale citar novamente O Tenebroso Heráclito que chamava à atenção daqueles que "não sabendo escutar, também não sabem falar."24)

Apesar dos milênios que nos separam desta sentença, “ela nos orienta para distinguirmos os atos de "escutar" e “ouvir"” , como observou Raymundo de Lima em seu artigo Eles Discursam, mas nada dizem, onde expressa sua maiêutica(**): “Em nossa época em que as condições existenciais, psíquicas, sociais e científicas, estão quase irremediavelmente fragmentadas, faz aumentar o número de pessoas que ouvem mas não escutam, que vivem mas não existem, que falam mas nada dizem.”25).

Tradução do Título: (*) As palavras voam, os escritos ficam

Julio Wandam
Ambientalista

Notas Bibliográficas e Referências:
1) - Ma Deva Meeta é educadora física, fisioterapeuta com formação em cadeias musculares GDS, osteopatia, ginástica holística. Acupunturista. Facilitadora em Bioenergética. AUM líder pela Humaniversity da Holanda.- – Revista Alternativa Namastê – Edição 1 – Julho/Agosto 2006 – Página 4;
2)- Platão (428 – 348 ac) – Filósofo Grego, discipulo de Sócrates – os escritos platônicos buscam a forma através do diálogo, transição espontanea entre o ensinamento oral e fragmentário de Sócrates e o metódo estritamente didático de Aristóteles;
3) - Margaret Ferreira dos Santos é Arquiteta, graduada em Saúde Pública pela USP, mestre e doutora em ciências de engenharia ambiental pela escola de São Carlos - Revista Uniara n° 16 – 2005 “Manifestações pela Conservação da Natureza no Brasil (1784-1889) – Página 16;
4)- Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva – Memória ou Dissertação Histórica, Etnográfica e Política – 1848 – Página 117; citado em “Manifestações pela Conservação da Natureza no Brasil (1784-1889)”
5) - idem nota 3) – Página 34
6) – Platão é citado em Nancy Mangabeira Unger – O Encantamento do Humano (Ecologia e Espiritualidade) - Edições Loyola 1991 – 2ª edição 2000 – Página 30;
7) - Nancy Mangabeira Unger – O Encantamento do Humano (Ecologia e Espiritualidade) - Edições Loyola 1991 – 2ª edição 2000– página 30/31;
8) - Seminário sobre a Obra de José Lutzemberger (1926 – 2002) – Gaia, o planeta vivo – L&PM – 1990 – Página 85 – texto original da década de 1970. Ambientalista gaúcho, ícone da defesa do meio ambiente no Brasil;
9) - Idem nota 6) – página 31;
10) - Sodré, M – A Verdade Seduzida, Codecri – Rio de Janeiro – 1983;
11) - Nancy Mangabeira Unger - O Encantamento do Humano (Ecologia e Espiritualidade) - Edições Loyola 1991 – 2ª edição 2000 – Página 31;
12) - Heráclito de Éfeso (544 – 484 ac) – Filósofo Grego, também conhecido com O Obscuro ou O Tenebroso sendo para muitos considerado o mais eminente Pensador Pré-Socrático, por formular com vigor o problema da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitórias. Estabeleceu a existência de uma lei universal e fixa (o Lógos), regedora de todos os acontecimentos particulares e fundamento da harmonia universal, harmonia feita de tensões, "como a do arco e da lira", citado em O Encatamento do Humano, de Nancy Mangabeira Unger;
14) - Ecologia Profunda – expressão criada por Arne Naess na década de 70, em oposição a “ecologia superficial”, isto é, a visão convencional segundo a qual o meio ambiente deve ser preservado apenas por causa da sua importância para o ser humano;
15) - Leonardo Boff - Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação; citado em O Encatamento do Humano (Ecologia e Espiritualidade) página 13;
16) - Arne Naess – A Ecologia Profunda – termo proposto em 1973 e que influenciou Lutzemberger nos primórdios da AGAPAN (Associação Gaucha de Proteção ao Ambiente Natural);
17) - Leonardo Boff – idem nota 15);
18) - Fritof Capra – físico e autor de A Teia da Vida – 1997 – Página 26 – Ed. Cultrix/Amana;
19) - Santo Agostinho (354 – 430 ) - As obras de Agostinho que apresentam interesse filosófico são, sobretudo, os diálogos filosóficos: Contra os acadêmicos, Da vida beata, Os solilóquios, Sobre a imortalidade da alma, Sobre a quantidade da alma, Sobre o mestre, Sobre a música. Interessam também à filosofia os escritos contra os maniqueus: Sobre os costumes, Do livre arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem;
20) - Francis Bacon (1561 – 1626) – Filósofo Inglês;
21) - Peter Singer – Filósofo Australiano, autor do Livro Libertação Animal de 1975, que explica sobre a Bioética – Publicado em 2005 – Editora Lugano;
22) - Aristóteles (384 – 322 ac) – segundo Aristóteles, a filosofia é essencialmente Teorética, deve decifrar o enigma do universo, em face do qual a atitude inicial do espirito é o assombro do mistério;
23) - Pitágoras de Samos (571 ac – 497 ac) – Fundador da Escola Pitagórica, e segundo a teoria pitagórica, o principio essencial de que são compostas as coisas, é o número, as relações matemáticas; citado em Sabedoria Felicidade (sinopse) – José da Silva Martins – Ed. Martin Claret – 1989 – Página 37
24) - Heráclito de Éfeso – (fragmento 19, II, 14) – Idem nota 12);
25) – Raymundo de Lima – Professor Universidade Estadual de Maringá – Revista Espaço Acadêmico – Ano II n° 15 – Agosto 2002;
(**) - Maiêutica: Expressão criada por Sócrates, é o momento do “parto” intelectual da procura da verdade no interior do Homem, ou, o “Parto das Idéias”.

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